quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Os primeiros passos da Saúde no Brasil


A região portuária do Rio de Janeiro, no tempo em que a 
cidade (que era a Capital Federal) era conhecida 
como "Túmulo dos Estrangeiros"

Para bem conhecer a história da Atenção à Saúde no Brasil, observar os progressos alcançados com o passar do tempo é fundamental. Na postagem anterior, que apresentou sucintamente o Ministério da Saúde, a criação da primeira organização nacional de saúde pública no Brasil, a Provedoria da Saúde, foi citada. Vamos continuar desse ponto, tratando, com um pouco mais de detalhamento, das principais ações de combate a doenças no Brasil até o início do século XX.

Primórdios da institucionalização da Atenção à Saúde no Brasil
A rainha, Dona Maria, seu filho, João VI, e toda a corte portuguesa chegaram ao país, após quase dois meses de viagem, no início do ano de 1808, dia 22 de janeiro, em Salvador (BA) – embora só viessem a sair do navio dois dias depois. O destino original era o Rio de Janeiro, cidade capital da colônia, mas uma tormenta em alto mar parece ter feito com que a esquadra buscasse refúgio na cidade baiana. 

Em Salvador, foram assinados alguns decretos. Entre eles, o de Abertura dos Portos e o da criação do cargo de físico-mor do Reino, Estados e Domínios Ultramarinos (no dia 7 de fevereiro), tendo sido o médico português Manuel Vieira da Silva, conselheiro e fidalgo da Casa Real e membro da Real Junta do Protomedicato (1), a ocupar a função. Em 1809, no dia 28 de julho, por decreto, foi criada a Provedoria da Saúde. 

Como já foi dito na postagem anterior
A Provedoria nasceu para promover e coordenar as medidas necessárias para a melhoria da saúde da população. Cuidava do saneamento, do controle de alimentos e regulava o exercício da Medicina, além, é claro, de vigiar os portos, para evitar a entrada de pessoas contaminadas por alguma doença. 

O "Túmulo dos Estrangeiros"
Cabe pensar que, naquele momento, o foco das ações de saúde não era a Promoção da Saúde e sim o enfrentamento das doenças, notadamente das transmissíveis, como a Varíola e a Tuberculose, que se constituíam como endemias, epidemias e, em alguns casos, em pandemias (2). Assim, a área da saúde começou a ganhar atenção do poder público (antes, não havia qualquer iniciativa na área) e, em 1837, foi estabelecida a imunização compulsória das crianças contra a Varíola (3), assim como, em 1846, foi criado o Instituto Vacínico do Império. 



Clique na imagem para assistir
a filme sobre a história das
políticas de saúde brasileiras


Como o país começava a sua urbanização, começavam, também, os grandes problemas de saúde pública causados pela vida nas cidades e grandes recursos são destinados para a higiene da Capital Federal, conhecida como o “Túmulo dos Estrangeiros”, já que as epidemias ali eram costumeiras, notadamente as de Varíola, Febre Amarela e Tuberculose, o que incentivava marinheiros de navios que lá aportavam a não querer entrar em contato com a população local, já que muitos perderam a vida no Rio, vítimas das epidemias. Essa situação durou até o início do século XX, quando Oswaldo Cruz empreendeu grande campanha de higienização, incluindo a vacinação obrigatória, o que gerou uma grande revolta popular. 



Oswaldo Cruz em charge

A Grande Reforma da Capital Federal
A reforma sanitária de Oswaldo Cruz ocorreu provavelmente graças ao desejo do presidente Rodrigues Alves de tirar a Capital da República da dramática situação descrita por um jornalista da época, chamado Luis Edmundo, que, nos fins do século XIX, falou assim da capital federal na publicação “O Rio de Janeiro do meu tempo”:
A terra continua imunda e atrasada como nos tempos coloniais, a cidade é um monturo onde as epidemias se albergam dançando sabbats magníficos, aldeia melancólica de prédios velhos e acaçapados, a descascar pelos rebocos, vielas sórdidas cheirando mal(...). Cidade (...) melancólica, suja e comercial, dédalo de becos tortos e mal varridos, onde a febre amarela vive instalada e feliz.
Rodrigues Alves escolheu o engenheiro Pereira Passos para a reforma urbanística da Capital e, para a Reforma Sanitária, o indicado foi Oswaldo Cruz, microbiologista que frequentou o Instituto Pasteur (Paris) e era Diretor do Instituto de Manguinhos (atual Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz). 

Ambos, Passos e Cruz, traziam consigo o desejo de “civilizar” o Rio de Janeiro e, além da derrubada de moradias pobres (como as do Morro do Castelo, próximo à Praça XV), houve grandes investimentos em saneamento e na higienização da cidade, tendo como carro-chefe o combate aos mosquitos transmissores da Febre Amarela e a vacinação. 

Isso aconteceu na primeira década do século XX e o resto a gente conta depois. 

=================================

Notas

(1) Sobre a regulação das práticas de saúde em Portugal, Dilma Cabral diz o seguinte: 
Em Portugal, o lugar de físico-mor foi criado em 1430, durante reinado de d. João I (1357-1433), cabendo-lhe a superintendência dos negócios de saúde e higiene em todo o Reino e domínios. A carta régia de 25 de fevereiro de 1521 regulamentou suas atribuições, distinguindo-as daquelas que eram de responsabilidade do cirurgião-mor dos Exércitos do Reino, responsável pela fiscalização das artes físicas e cirúrgicas. Um marco na organização sanitária portuguesa, o regimento de 1521 previa que o físico-mor e o cirurgião-mor poderiam se fazer representar por seus juízes comissários no Reino e domínios, assim como aplicar multas e outras penalidades em caso de infração, além de estabelecer que sujeitava à autorização do físico-mor o exercício das disciplinas e artes de curar, atribuindo-lhe também a fiscalização das boticas e das atividades do boticário.
A regulamentação da organização sanitária de Portugal era importante para o controle das práticas de cura e seus diferentes agentes na colônia. De acordo com o regimento de 1521, a fiscalização do exercício da medicina seria desempenhada pelos delegados ou juízes comissários que, a partir da provisão régia de 17 de agosto de 1640, teriam ainda o direito de tirar devassa, visto ser impossível o físico-mor se fazer presente em todo o Reino, domínios e conquistas. A provisão régia de 1º de junho de 1742 dispôs que fossem indicados para o Brasil, como delegados do físico-mor, apenas médicos formados na Universidade de Coimbra. Por fim, em 16 de maio de 1774, foi promulgado um regimento geral para os delegados e juízes comissários do cirurgião-mor e físico-mor no Estado do Brasil, intensificando a fiscalização do exercício das artes de curar na colônia.

(2) Diferenciando os conceitos:

ENDEMIA: doença que ocorre predominantemente em um determinado espaço e/ou tempo, causada por características patogênicas locais.

EPIDEMIA: doença infecciosa e transmissível que ocorre num local e se espalha rapidamente para outras regiões (surto epidêmico).

PANDEMIA: epidemia que atinge grandes proporções, podendo se espalhar por um ou mais continentes ou por todo o mundo.

(3) Sobre a Varíola e a vacinação:

A Varíola (também conhecida como “Bexiga”) teve seus maiores surtos epidêmicos nos séculos XIX e XX. Somente entre 1896 e 1980, matou 300 milhões de pessoas em todo o mundo. Há registros de ocorrência da doença há mais de 3000 anos e conta-se que personagens históricos, como o faraó Ramsés II, a rainha Maria II da Inglaterra e o rei Luís XV da França, contraíram a doença. 

Se caracteriza por provocar febre, erupções na garganta, boca e rosto e pústulas que podem deixar cicatrizes no corpo. É transmitida de pessoa para pessoa, geralmente por meio das vias respiratórias. O vírus é resistente a praticamente todos os agentes externos e a doença não tem tratamento específico a não ser tentar amenizar a coceira e a dor e contar com a força do organismo. 


A enfermidade se divide em duas formas básicas: 
1) varíola maior: 30% de letalidade; 
2) varíola menor (alastrim): mais comum e mais amena, com pouquíssimos casos fatais. 

Há, ainda, a hemorrágica e a maligna, raras.

Segundo a OMS, está erradicada desde 1980, após ser feita campanha de vacinação de grandes proporções. 

A vacina foi criada em 1796, mas apenas em 1980 foi aplicada “em massa”. A primeira vacina da história foi exatamente essa contra a varíola e o termo quer dizer, em latim, "o que diz respeito à vaca“ (inoculava-se varíola bovina e se prevenia a humana).

Segundo a bióloga Mariana Araguaia, que assina o texto “História da Vacina”, foi o médico inglês Edward Jenner que entendeu o processo de imunização por inoculação de vírus da Varíola Bovina em humanos para prevenir nestes o incômodo da doença. Ele observou que pessoas que conviviam com vacas não eram contaminadas pela Varíola Humana e, inicialmente, inoculava o pus das vacas adoecidas em pessoas para obter a imunização. Sobre o nome “vacina” e o sucesso de Jenner, Mariana diz o seguinte:
Em sua publicação, que deu origem ao nome “vacina”, Jenner usou o termo “varíola da vaca” em latim: "variola vaccinae” que, com o tempo, acabou popularizado o termo “inoculação da vacina”, tal como a própria técnica (...). O sucesso foi tanto que, em 1805, Napoleão Bonaparte obrigou que todos seus soldados fossem vacinados, o que gerou alguns conflitos.
No mesmo texto, Mariana descreve rapidamente o transtorno social que a imposição da vacinação à população acabou gerando. O levante popular contra a vacina ficou conhecido nos livros de História do Brasil como “Revolta da Vacina” e ocorreu em 1904, no Rio de Janeiro: 
Esse projeto consistia em, além de retirar as pessoas das ruas, levantar guerra a mosquitos, ratos e outros animais “maléficos”, também obrigar a população inteira a vacinar contra a varíola, criando, inclusive, a Lei da Vacina Obrigatória, em 31 de outubro de 1904. A reação popular foi extrema: pedradas, protestos, incêndios, dentre outras formas de revolta, que fizeram com que o governo revisse a obrigatoriedade.

Um comentário: